ABEL MOTA

Abel Mota (Amares) uses painting to activate his inexhaustible curiosity. He assimilates references from the most diverse sources with the same intensity and articulates them together spontaneously. He combines different elements from Portuguese, Brazilian, or Nordic folklore, Eastern European cinema, or his private collection of masks and objects, creating a vocabulary that gradually becomes more complex.


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What does painting mean to you, considering your enthusiasm for discussing painting and the studio environment? Painting, for me, is about finding meaning in what surrounds me. It's about discovering the images that still resonate with me and using them to create my universe. In other words, at first, painting is a way of saving and collecting what I like and that I feel, in some way, belongs to me. This search is motivated by an immense curiosity about the world and things. Therefore, everything I look at, I see under the veil of what could become. The issue is that by trying to focus on too many things and feeling the urge to save everything, I end up spreading my efforts in different directions. At first, I thought it would be a problem for my attention to be constantly interrupted by a new motivation. A lot of things were left half-done. However, I began to realize that if these new tributaries were welcomed, they would start to belong, quite naturally, to a whole. An image never belongs to a single idea. Even throughout the process, it is informed, rethought, and combined with another that appears. And then, in this ecosystem of images, references, objects, and geographies, in which my work exists, I began to comprehend a universe. I am thrilled to see these new relationships and images being built.

How do you define your work process? My work process starts exactly from this moment of collection that I mentioned. I always try to look very carefully at everything. It's as if I were hunting. I can't look at it any other way. From this moment of curiosity and attention, certain things emerge that I choose to retain. I'm mainly looking for images. And in this search, I collect a lot. One of the quick collection tools, in addition to my cell phone, is the notebook that accompanies me always, all the time, and wherever I go. I can say that this object is almost the physical aspect of what is going on in my head. In the notebook, I spend hours and hours trying to convey ideas or mental images into physical space. And that's why it's already in the midst of the collection, the fermentation of the idea, and the moment when I start testing possibilities. Most of the images go through a fermentation process, in which sometimes I don't see them for months or years, either because they lose their meaning, or because I become curious about something else, but then if they are strong enough, they end up coming back. In this moment of reunion, when it makes sense, I immediately know what to do with that image.

The objects you collect often function as references for your paintings. What is the guiding thread behind the collection and how does it translate into your work?  In addition to images, I also collect objects. However, while in the images I have from the beginning an intention to transform them into something of my own, in these objects that I collect, I do nothing with them. They awaken something in me, either because they feed my curiosity, or because they are beautiful, or because they seem to have some meaning for my work. These objects could be classified as visual treasures, which inhabit and influence the work in various ways. And what are they? They range from anonymous ceramics from Minho to a whale tooth. Others include stuffed animals inhabiting certain paintings, and even a skeleton (Osvaldo, who keeps me company in the studio). Lately, I've been buying a lot of ceramics, especially from Alto do Moura, in Brazil, from master Luís António and Minho, from my hometown. So it gives me great pleasure to see how they communicate with each other. In addition to the concept of good neighborliness, the text emphasizes understanding the influences and connections that individuals maintain across the various places they have traveled. My collection is closely intertwined with my studio work; some pieces are more deliberate than others but ultimately influence my art.

Their narratives are complex due to numerous symbols and stories within stories. Which paintings and their stories are inactive? The narratives become complex due to the infinite images I keep. But I believe that they are being created in a very unpredictable way: I have an image that I want to work on, they are joined by another idea, and these narratives end up emerging. I don't immediately start with a clear narrative, in other words. Sometimes tense or humorous situations arise out of nowhere. I'll compose the images until something I like comes up. Sometimes characters or animals appear where I give them certain attributes, sometimes of violence, sometimes of protection. Other times, the character is just a kind of narrator in the painting itself, or a cicerone, who shows or points out what to see. I see a lot of influence from cinema, masks, and costumes from Cantabria or Brazilian Carnival. This informs the strong theatrical arrangement and mise-en-scène, including the backstage and pre-action. It is a matrioska of farce and mise-en-scène within the mise-en-scène of the painting. But at the same time, for those who see it, it is clear and honest. Just accept, like someone going to the theater, to pretend for a while that that reality is yours. But in hibernation are several other narratives.

Finally, what are you currently working on? I am currently completing a collection of images that have been inactive for a long time. But between these and those that will come, I can only say that they are neither so much on land nor so much on the sea.

PT

Abel Mota (Amares) usa a pintura como uma ativação de uma quase inesgotável curiosidade. Assimila com a mesma intensidade referências das mais diversas proveniências e articula-as entre si de forma espontânea. Cruza elementos diversos provenientes do folclore português, brasileiro ou nórdico, do cinema europeu de Leste ou da sua coleção privada de máscaras e objetos, compondo um vocabulário que se vai tornando cada vez mais complexo.


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Ao ver pelo teu entusiasmo a falar de pintura e pelo próprio ambiente do atelier, o que é para ti pintar?  Para mim, pintar é encontrar na desordem estimulante que me rodeia e numa realidade na qual não me revejo, as imagens que dela ainda fazem sentido, e com as quais, e a partir das quais, quero criar o meu universo. Ou seja, num primeiro momento, pintar é uma forma de guardar e de recolher aquilo que gosto e que sinto que, de alguma forma, me pertence. Esta procura é motivada por uma imensa curiosidade pelo mundo e pelas coisas. Assim sendo, tudo para onde olho, vejo sob o véu daquilo que poderá vir a ser. O problema nisso é que olhando para muita coisa e sentindo necessidade de guardar muita coisa, acabo por dividir a minha produção em várias direções. No início achava que seria um problema a minha atenção ser constantemente interrompida por uma nova motivação. Ficava muita coisa a meio. Entretanto fui me apercebendo que se esses novos afluentes fossem acolhidos, começavam a pertencer, muito naturalmente, a um todo. Uma imagem nunca pertence a uma única ideia. Mesmo ao longo do processo ela é informada e repensada e cruzada com outra que aparece. E aí, nesse ecossistema de imagens, referencias, objetos, geografias, em que o meu trabalho habita, comecei a entender um universo. E ver estas relações, estas novas imagens a serem construídas, deixa-me imensamente feliz.

Como caracterizas o teu processo de trabalho? O meu processo de trabalho parte exatamente desse momento de recolha que falei. Tento olhar sempre com bastante atenção para tudo. Como se estivesse à caça. Não consigo olhar de outra forma. Desse momento de curiosidade, de atenção, saltam determinadas coisas que escolho guardar. Ando sobretudo à procura de imagens. E nessa procura recolho muita, mas muita coisa. Uma das ferramentas de recolha rápida, para alem do meu telemóvel, é o caderno que me acompanha sempre, a toda a hora e para onde quer que vá. Posso dizer que esse objeto é quase o aspeto fisico do que se passa na minha cabeça. No caderno, passo horas e horas a tentar passar as ideias ou as imagens mentais para o espaço físico. E por isso já se encontra entre a recolha, a fermentação da ideia e o momento em que começo a testar possibilidades. Grande parte das imagens passa por um processo de fermentação, em que as vezes não as vejo durante meses ou anos, ou porque perdem o sentido, ou porque ganhei curiosidade por outra coisa, mas depois, se forem fortes os suficientes acabam por voltar. Nesse momento de reencontro, quando faz sentido, sei logo o que fazer com aquela imagem.

Os objetos que colecionas funcionam muitas vezes como referências para as tuas pinturas. Qual o fio condutor da coleção e de que forma se transpõe para o teu trabalho?  Além das imagens, também recolho e coleciono objetos. Porém, enquanto nas imagens tenho desde o início uma intenção de transformação em algo meu, nestes objetos que coleciono, não lhes faço nada. Despertam qualquer coisa em mim, ou porque me alimentam a curiosidade, ou porque são belos, ou porque parecem ter um sentido qualquer para o meu trabalho. Estes objetos poderiam ser catalogados como preciosismos visuais, que habitam e influenciam o trabalho das mais variadas formas. E o que são eles? Vão desde cerâmicas anónimas do Minho até a um dente de baleia. Outros são bichos embalsamados que acabam por habitar certas pinturas, ou até mesmo um esqueleto (o Osvaldo, que me faz companhia no estúdio). Ultimamente tenho comprado muita cerâmica, especialmente de Alto do Moura, no Brasil, do mestre Luís António e do Minho, da minha terra. Depois dá-me um prazer enorme perceber o quão comunicam entre si. Para além da ideia da boa vizinhança, perceber mesmo as influências e as ligações que mantém ao longo das geografias que percorreram. Mas a coleção que guardo acho que é uma coisa que se forma muito em paralelo com o que faço no atelier, mas obviamente, umas mais conscientes ou premeditadas que outras, acabam por informar o meu trabalho.

As tuas narrativas são complexas pela presença de inúmeros símbolos e histórias dentro de histórias. Quais as pinturas e respectivas histórias que estão em hibernação?   As narrativas vão se tornando complexas devido às infinitas imagens que guardo. Mas creio que elas vão sendo criadas de uma forma muito pouco previsível: tenho uma imagem que quero muito trabalhar, a eles junta se outra ideia, e essas narrativas acabam por surgir. Ou seja, não parto logo com uma narrativa clara. Às vezes surgem do nada situações de tensão, ou de humor. Vou compondo as imagens até surgir alguma coisa que goste. Às vezes surgem personagens ou animais onde lhes deposito certos atributos, ora de violência, ora de proteção. Outras vezes, a personagem é só uma espécie de narrador na própria pintura, ou um cicerone, que mostra ou aponta o que ver. Noto aí muita influência do cinema, das máscaras e disfarces da Cantábria ou do Carnaval brasileiro. Isto tudo acaba por informar o forte arranjo teatral e de mise-en-scène, os bastidores, a pre-ação. É uma matrioska de farsa e de encenação dentro da encenação da pintura. Mas ao mesmo tempo, para quem vê, é muito claro e honesto. Apenas aceita, como quem vai ao teatro, de fingir por uns momentos, que aquela realidade, é a sua. Mas em hibernação estão várias outras narrativas.

Por último, em que estás a trabalhar atualmente? Atualmente estou a concluir todo um conjunto de imagens que há muito tempo estavam invernadas. Mas entre estas e as que irão vir, posso apenas dizer que nem são tanto à terra nem tanto ao mar.

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