NEUZA MATIAS

Seeing Neuza's works for the first time is like being involuntarily transported to a freak show, like being pushed beyond the curtain and left alone in an unknown world. Right from our arrival, we are confronted with a completely dehumanized figurative territory, full of bizarre figures, synchronized with each other through various performative actions. And, just like in a freak show*, we see a grotesque that, initially, is distant from us, but that, through a closer look, mirrors us.

Neuza Matias (2002) is currently living in Portugal, after studying painting at Camberwell College of Arts (London). Her work was recently exhibited in both the UK and Portugal. From an early age, she was guided by the artist Leonardo Rito who, according to her, made her unlearn the little she had learned to start embarking on what would become her path. I went to Arraiolos to visit Neuza, currently in artistic residency at Cortex Frontal, and we had an informal conversation about her work.


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When we see your work, we are violently transported to another universe. How do you characterize these worlds you create? They are allegorical. At first glance, light and childlike. When consumed quickly, they are happy and loving, full of bright colors, and affectionate-looking creatures. In reality, they end up not being exactly like that, but the opposite. Some characters and situations reflect a darker reality. They reflect on the human condition.

Where do these narratives come from, and how do you construct/deconstruct them with your painting? They arise from the most varied sources, often recurring themes in the History of Art, drawings, and engravings from different eras, elements of popular culture, folklore, myths, legends, and cookery books, among others. Starting from there, I create and manipulate elements as if they were pieces in a game, ultimately redirecting them. One thing can lead to another, a reference can lead to another reference, or a painting can inspire a sculpture.

What symbols appear most in your paintings? Clown noses (there are always some hidden somewhere), hats, elements alluding to celebrations, cakes, various eyes or heads. The vast majority of these elements come from my childhood, not only do they have a personal meaning, but they also have a universality that reinforces the idea of masked innocence. Other artists are directly referenced, such as Bosch's cone hats and Tiepolo's Punchinellos.

There is a kind of scenography in your workspace. How important is this, and how does it influence your creative process? It initially happened quite organically, but I quickly realized that I was exporting the worlds I created in them from the paintings. I felt the need to transport them physically and tangibly to our world so that I could be physically inserted into them. I gradually realized that this scenography, composed of several elements, functioned as an extension of the painting, establishing a relationship of mutualism, of action-reaction between one and the other.

How is your return from London going, and what did you bring with you? It's great to be back in Portugal, but London has played a crucial role in my recent work. It opened doors for me to explore different themes and perspectives, and gave me a new critical sense. I had the opportunity to meet some artists I admired, from different areas, and be confronted with conversations contrary to what I thought. I took a few kicks to the stomach, but at the end of the day, they were crucial for my development. I am just starting and feel like there is much to learn.

What are you currently doing? What are your plans for the near future? I am currently in residence at Cortex Frontal, in Arraiolos, where I am developing a series of works based on legends and local folklore. I find several elements that, in a way, already made up my visual universes, but others appear that I didn't expect, such as cork oaks or sopa de beldroegas (purslane soup). This makes the entire process much richer and more stimulating. I have a few projects to develop after my residency, but I plan to continue focusing on my passion for painting.


* The term ‘freak show’ is linked to European and American exhibitions from the beginning of the 19th century, where several naturalists displayed rare or exotic specimens of animals, and collection pieces selected from their cabinets of curiosities. The introduction of people with physical characteristics or abilities outside the norm was common in the circus.

PT

Ver as obras da Neuza pela primeira vez é como ser transportado involuntariamente para um freak show, é ser empurrado para lá do pano e largado sozinho num mundo incógnito. Logo desde a chegada, somos confrontados com um território figurativo totalmente desumanizado, repleto de figuras bizarras, sincronizadas entre si através de várias ações performativas. E, tal como num ‘freak show’ 1, vemos um grotesco que, numa primeira camada nos é distante, mas que através de um olhar mais atento, nos espelha.

Neuza Matias (2002) vive actualmente em Portugal, depois de ter estudado pintura na Camberwell College of Arts, em Londres. O seu trabalho foi exposto recentemente tanto no Reino Unido como em Portugal. Desde cedo foi orientada pelo artista Leonardo Rito que, segundo a própria, a fez desaprender o pouco que tinha aprendido para começar a encetar o que viria a ser o seu percurso. Fui a Arraiolos visitar a Neuza, actualmente em residência artística no Córtex Frontal, e tivemos uma conversa informal sobre o seu trabalho.


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Ao vermos o teu trabalho, somos violentamente transportados para outro universo. Como caracterizas estes “mundos” que crias? São mundos alegóricos. À primeira vista leves e infantis. Quando consumidos rapidamente são alegres e amorosos, recheados de cores vivas e criaturas de aspeto afetuoso. Na realidade acabam por não ser exatamente assim, mas muitas vezes o oposto. São mundos complexos com várias personagens e situações, que envolvem a realidade num humor mais sombrio. Refletem sobre a condição humana.

De onde partem estas narrativas e como as constróis/desconstróis com a tua pintura? Surgem das mais variadas fontes, muitas vezes de temas recorrentes na História da Arte, de desenhos e gravuras de diferentes épocas, elementos da cultura popular, folclore, mitos, lendas, livros de culinária, entre outros. A partir daí construo e interpreto elementos, brinco com eles como se se tratasse de um jogo e eventualmente mudo o seu rumo. Através de uma referência surge outra, através de uma pintura surge uma escultura, e assim sucessivamente.

Quais são os símbolos que mais aparecem nas tuas pinturas? Narizes de palhaços (há sempre algum escondido algures), chapéus, elementos alusivos a festejos, bolos, vários olhos ou cabeças. A grande maioria destes elementos derivam da minha infância, não só têm um significado pessoal, mas têm igualmente uma universalidade que reforça a ideia de inocência mascarada. Outros elementos são uma referência direta a outros artistas, como é o exemplo dos chapéus em cone do Bosch, ou os Punchinellos do Tiepolo.

Existe no teu espaço de trabalho uma espécie de cenografia. Qual a importância disso e como influencia o teu processo criativo? Aconteceu inicialmente de forma bastante orgânica, mas apercebi-me rapidamente que estava a exportar das pinturas os mundos que nela criava. Senti necessidade de os transportar de forma física e palpável para o “nosso” mundo, para eu mesma estar inserida neles fisicamente. Apercebi-me gradualmente que esta “cenografia”, composta por vários elementos, funcionava como uma extensão da pintura, estabeleciam as duas uma relação de mutualismo, de ação-reação entre uma e outra.

Como está a ser o regresso de Londres e o que trazes de lá de bagagem? É muito bom estar de volta a Portugal. No entanto, Londres foi nestes últimos anos muito importante para o desenvolvimento do meu trabalho. Abriu-me portas para explorar diferentes temas e perspetivas, e deu-me um novo sentido crítico. Tive a oportunidade de conhecer alguns artistas que admirava, de diferentes áreas, e ser confrontada com conversas contrárias ao que pensava. Levei alguns pontapés no estômago, mas no final do dia foram cruciais para o meu desenvolvimento. Estou a começar e sinto que tenho ainda muito para experimentar e aprender.

O que estás a fazer actualmente. Quais os planos para os próximos tempos? Atualmente encontro-me em residência no Córtex Frontal, em Arraiolos, onde estou a desenvolver uma série de trabalhos baseados em lendas e no folclore local. Encontro vários elementos que, de certa forma, já compunham os meus universos visuais, mas surgem outros que não esperava, como os sobreiros descortiçados ou a sopa de beldroegas. Isto torna todo o processo bastante mais rico e estimulante. Tenho um ou outro projeto a desenvolver após a residência, no entanto, gostava de continuar a fazer o que tenho feito, que é pintar. Inevitavelmente estará sempre nos planos.

1 O termo ‘freak show’ está ligado às mostras europeias e americanas do início do século XIX, onde vários naturalistas exibiam exemplares raros ou exóticos de animais, peças de coleção seleccionadas dos seus gabinetes de curiosidades. Com o circo foram introduzidas neste contexto pessoas com características físicas ou capacidades fora da norma.

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