ANA BALEIA
Ana Baleia (Cascais, 1979) lives and works in São Luís, Odemira. With fashion design as her background, she had a turning point when moving to Alentejo. As a result of several influences, a multidisciplinary artistic practice emerges, focusing on textile art. Sustainable and focused on changing the environmental paradigm.
She incorporates literary and theatrical references into several installation moments. She focuses very intensely on researching textile waste and the potential of upcycling, such as her TEX REX project.
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Your artistic practice links to fashion and scenography. Can you share your journey and how you define your practice? I studied Fashion Design at the Faculty of Architecture of Lisbon. I was especially interested in designer fashion, the concepts approached by the creators, and the entire mise en scène. During this time, I have developed an interest in upcycling fabrics and clothing with a past life. After completing the course I designed for mainstream brands, I quickly realized that the concept of disposable fashion did not appeal to me. I even developed some antibodies towards this industry and moved away from it completely. The decision to live in Alentejo, where I have been for 16 years, allowed me the space to explore more paths, always using textiles as the main raw material. As a costume designer, I established collaborations with directors and choreographers that I continue to this day. This experience with the performing arts and stage design was enlightening, as it allowed me to experiment with fabric manipulation more creatively and dynamically. I adopted new methods such as dyeing, tearing, painting, and burning. I also started exhibiting installation works, as part of festivals and group exhibitions. I believe that when I create something, a conversation happens between me and the fabrics I use. The materials inspire me and I respond with my creative ideas. This exchange helps me to communicate my vision and tell the story I want to share. Currently, I fluctuate between visual artist, costume designer, and designer. My artistic practice revolves around using textiles as a medium, focusing mainly on repurposing discarded materials.
Waste and consequent upcycling are the basis of your research, particularly in projects like Tex Rex. How would you define this process? Working with textile waste and receiving clothes that others no longer wanted was a process that quickly became a kind of monster I was no longer able to master. There was too much clothing. I couldn't get rid of it. I felt overwhelmed and concerned about the socio-environmental impact of this issue. The idea of shredding that clothing began to emerge as a possibility, a way of obtaining a "new" material and bringing other approaches to textile upcycling, and so it was. Tex Rex is a research project about textile reuse and involves the mechanical shredding of clothing items, turning them into rags. This procedure worked as a trigger that unlocked my creative process and allowed me to defeat the monster.
What is the potential of textile waste and what is the creative potential yet to be explored in your work? Textiles are manufactured with various natural and artificial fibers, pure and composite, each with their characteristics and properties. Textile fibers can protect, heat, and insulate. Its production requires work, knowledge, technical mastery, and lots of water. It also involves polluting processes. Textile waste is therefore a material with immense value and enormous potential. It is possible to explore its use in architecture or equipment design and reintroduce it to the market in a non-clothing form. In my work, I am interested in mixtures, textures, colors, patterns, labels, and buttons without discrimination of fibers. My focus is to explore the intersection of rural traditions and modern excesses while also advocating for environmental and social justice and promoting sustainability. In a pile of used clothing, one can find not only a variety of fabrics but also a cross-section of society, themes that move and inspire me. I intend to continue exploring this path.
The theme of 'memory' is evident in many of your artworks, reflecting what was impressed upon each piece. How is this reflected in your work? One of the things that interests me most about textile waste is this layer - that of stories brought by the clothes used for my work. It even happens in the case of clothes whose origin I don't know, because in each bag I open it is possible to get a glimpse of the age, social class and way of life of the person to whom it belonged. The idea of freezing memories with my work touches me deeply, recording a moment or a person through a piece of clothing. Somehow, I feel that I am touching something transcendent. I am rescuing not only the material but also the immaterial.
Finally, what are you currently working on? What can we expect soon? I just dismantled an exhibition in Torres Vedras and am now creating more pieces for my project: Figure Out - Characters of Literature. I will complete all the puppets and small props for the theater production of 'Don Quixote', directed by Pedro Giestas, by April. Still in April, at the invitation of the artist Leonor Morais, I will do an artistic residency with her, ´Fio´, where drawing and textiles connect and dialogue and which will result in an exhibition in Aljezur, by Associação Tertúlia. Next May I will start a theater co-creation, with EsTe (Estação Teatral do Fundão), staged by Sofia Cabrita, and will be presented in October. In the coming months, I will also be in artistic residency at Cultivamos Cultura, with the 'Credo´ project, this residency will be divided into 3 parts, and it will take place between Odemira and Lisbon. That's all for now, at least in the short term.
PT
Ana Baleia (Cascais, 1979) vive e trabalha em São Luís, Odemira. Tendo o design de moda como background, teve um momento de viragem na mudança para o Alentejo. Resultado de várias influências surge uma prática artística multidisciplinar, com enfoque na arte têxtil. Sustentável e focada na mudança de paradigma ambiental.
O seu imaginário é povoado de referências literárias e teatrais, que interpreta em vários momentos instalativos. Foca-se de forma bastante intensa na investigação dos desperdícios têxteis e nas potencialidades do upcycling, como é exemplo o seu projeto TEX REX.
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O teu trabalho parte de um background ligado à moda e cenografia. Como foi o teu percurso e como definirias a tua prática artística? Estudei Design de Moda, na Faculdade de Arquitetura de Lisboa, interessava-me especialmente a moda de autor, os conceitos abordados pelos criadores e toda a mise en scène, durante esse período surgiu também o gosto pelo reaproveitamento de materiais, pelo uso de tecidos e roupas com vidas passadas. Depois do terminar o curso desenhei para marcas main stream e cedo percebi que a moda descartável não era para mim, criei até alguns anticorpos em relação a esta indústria, afastando-me totalmente. A decisão de viver no Alentejo, onde estou há 16 anos, permitiu-me ter espaço para explorar mais caminhos, utilizando sempre os têxteis como matéria-prima principal. Enquanto figurinista, estabeleci colaborações com encenadores e coreógrafos que mantenho até hoje. Este contacto com as artes performativas e com o espaço cénico foi revelador, permitiu-me explorar outras formas de manipular os tecidos, uma abordagem mais plástica e experimental, adoptei novos métodos como tingir, rasgar, pintar, queimar. Comecei também a expor trabalhos de instalação, integrados em festivais e exposições coletivas. Sinto que no meu processo criativo é estabelecido um diálogo entre mim e os tecidos que escolho trabalhar, há um input trazido pelo material ao qual respondo, esta troca funciona como uma ferramenta que me ajuda a comunicar a minha ideia e a contar aquela história. Atualmente vou flutuando entre a artista visual, a figurinista e a designer, a minha prática artística está intrinsecamente ligada ao meu media de eleição: o Têxtil - transversal a todos os projetos que desenvolvo, com especial foco no uso do desperdício. Prefiro trabalhar com o que já foi usado e descartado.
O desperdício e consequente upcycling são base da tua investigação, nomeadamente em projetos como o Tex Rex. Como definirias este processo? Trabalhar com o desperdício têxtil, recebendo as roupas que os outros já não querem, foi um processo que rapidamente se tornou numa espécie de monstro que deixei de conseguir dominar. A roupa que recebia era tanta que não tinha capacidade de escoar o material, fiquei aterrada com todo este excesso e com a problemática socioambiental relacionada com o tema. A ideia de triturar aquela roupa começou a surgir como uma possibilidade, uma forma de obter um "novo" material e trazer outras abordagens para o upcycling têxtil, e assim foi. O Tex Rex é um projeto de pesquisa sobre reutilização têxtil e parte da trituração mecânica das peças de roupa, transformando-as em farrapos. Este procedimento funcionou como um gatilho que desbloqueou o meu processo criativo e que me permitiu ir vencendo o monstro.
Quais as potencialidades dos desperdícios têxteis e qual o potencial criativo ainda por explorar no teu trabalho? Os têxteis são fabricados com diversas fibras, naturais e artificiais, puras e compostas, cada qual com as suas características e propriedades, as fibras têxteis podem proteger, aquecer, isolar. A sua produção requer trabalho, conhecimento, domínio técnico, e muita água, envolvendo também processos poluentes. O desperdício têxtil é por isso um material com imenso valor e enorme potencial, pode ser explorado no campo da arquitetura ou design de equipamento e voltar a entrar no mercado sob outra forma que não roupa. No meu trabalho interessam-me as misturas, as texturas, as cores, os padrões, as etiquetas, os botões, sem discriminação de fibras. Tenho tocado temas como a justiça e a sustentabilidade ambientais e sociais, mas também procuro explorar os ritos e as tradições, especialmente as mais ligadas à ruralidade e cruzar esse mundo com o dos atuais excessos. Num monte de roupa usada está uma amostra da sociedade, onde se encontra não só uma diversidade de fibras mas também de assuntos que me movem e comovem, pretendo continuar a explorar esse caminho.
É bastante visível em várias das tuas peças o conceito de ‘memória’, daquilo que ficou impresso em cada uma das peças que são trabalhadas por ti. Como é isto interpretado no teu trabalho? Uma das coisas que mais me interessa no desperdício têxtil é essa camada - a das histórias, trazidas pelas roupas usadas para o meu trabalho. Isto acontece mesmo no caso da roupa cuja origem desconheço, porque em cada saco que abro é possível ter um vislumbre da idade, da classe social e do modo de vida da pessoa a quem pertenceu. Toca-me profundamente a ideia de congelar memórias com o meu trabalho, registar através de uma peça de roupa um momento ou uma pessoa, de algum modo sinto que estou a mexer com o que é transcendente, resgatando não só o que é material mas também o imaterial.
Por último, em que estás a trabalhar atualmente e o que podemos esperar para breve? Acabei de desmontar uma exposição em Torres Vedras e estou agora a produzir mais peças do meu projecto Figure Out - Personagens da Literatura. Em Abril vou terminar as marionetas e pequenos adereços que estou a fazer para o espetáculo de teatro de objetos ´Dom Quixote´, com direção do Pedro Giestas. Ainda em Abril, a convite da artista Leonor Morais, irei fazer com ela uma residência artística, ´Fio´, onde o desenho e os têxteis se ligam e dialogam e da qual resultará uma exposição em Aljezur, pela Associação Tertúlia. Em Maio inicio uma co-criação de teatro, com a EsTe (Estação Teatral do Fundão), com encenação da Sofia Cabrita, terá apresentação em Outubro. Nos próximos meses vou estar também em residência artística na Cultivamos Cultura, com o projecto 'Credo´, esta residência será dividida em 3 partes, acontecerá entre Odemira e Lisboa. E pronto, a curto prazo, será isto.